O tempo é de ressurreição. Já não podemos mais ouvir os gritos do calvário, o movimento curioso de quem desejava a tragédia , a morte pública e cruel. O que temos é o jardim vistoso sugerindo primaveras. A vida revestida de cores mansas como se uma chuva miúda devolvesse aos poucos o frescor que combina com as manhãs.
O que me instiga em tudo isso é a
falta de provas para o fato. O sepulcro estava aberto, vazio. Mas isso não era
o suficiente para que a ressurreição fosse proclamada. Alguém poderia ter roubado
o corpo. Não faltariam incrédulos para essa suspeita.
A certeza da ressurreição não
consiste em provas materiais para o fato. A imposição dessa verdade não passa
pela materialidade do mundo, nem tampouco pode ser explicada através das claras
regras que foram postuladas por nossa razão cartesiana.
Estamos falando de algo maior,
superior. O que despertou o grito da ressureição foi o encontro dos olhares de
quem havia estado com Ele. Foi o momento em que João reconheceu em Pedro a
presença do Mestre. Resquícios esquecidos na alma, doação existencial que o
configurava de forma renovada, como se tivesse nascido de novo.
"Ele está no meio de
nós!" - A voz proclama. Gita o que ainda não compreende. Grita o que intui
em mistério, o que descobre aos poucos. A alma reconhece na carne o milagre da
continuidade. Os desdobramentos da Eucaristia celebrada dias antes tornam-se
evidentes. João vê na carne de Pedro a carne de Jesus. É o mesmo sangue, é a
comunhão estabelecida. O sangue jorrado na cruz encontrou novas veias e por
elas corre.
É o olhar epifânico ardendo como
a sarça ardeu diante dos olhos de Moisés. Sarça humana, pupilas dilatas de
alegria, incapacitadas de esconderem os olhos que estavam por trás dos olhos de
Pedro. Olhos que deixaram de brilhar no calvário, mas que agora são reacendidos
nos olhos do amigo que ficou. O apóstolo é a continuidade do Mestre. Simbiose
que faz o agir ser o mesmo, como se uma costura atasse a vida de Pedro à vida
de Cristo.
É o ser emprestado em sacramento,
força que o altar atualiza e que a alma recebe prostrada, generosa. A
sobrevivência do Cristo passa pela alma que o aceita. É preciso acolher o dom
de ser ressurreto. Passa pela nossa carne esta mística que nunca terá fim. Não
aceitá-la é o mesmo que viver a privação da felicidade. Não é possível ser
feliz fora desta dinâmica. As religiões nos ensinam. É preciso aprender. O
altar estendido é o banquete do encontro. O Cristo sentado à mesa nos ensina de
forma simples e duradoura que é preciso crescer na ressurreição. Ele nos dá de
comer. "Isto é o meu corpo". Ele nos dá de beber. "Isto é o meu
sangue".
É Nele que nos transformamos.
Quando por Ele nos decidimos,, Dele nos tornamos continuidade. Cada um ao seu
modo vive o seu processo. É estrada humana também. Jesus nos ensinou a
humanidade antes de nos propor o céu. Por isso o aperfeiçoamento de tudo o que
é humano é exercício de santidade. O pecado nos mata, mas a ressurreição nos
socorre.
Viver e morrer são dinâmicas
inevitáveis. Cada um sabe o tanto que morre. Cada um sabe o tanto que vive. As
escolhas estão por toda parte.
Mas o Cristo está diante de nós.
Em suas mãos não há outra coisa senão a sua Misericórdia. O motivo de sua morte
é o motivo de nossa vida. Ele morreu porque quis nos ensinar que a justiça
divina compreende também a sua capacidade de amar. Ele nos deu o direito de
sermos íntimos do Pai. Ensinou caminhos simples, diretos, sem rodeios.
Ensinou que podemos ser santos,
mesmo sendo proprietários de tantos defeitos. Ensinou que há sempre uma
esperança escondida dentro de nós, e que procurar por ela é um jeito bonito que
temos de colocar os nossos passos nas marcas de seus pés.
Neste tempo de Ressurreição
queiramos a sua misericórdia.
Eu quero. Queira também.
Eternamente.
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