quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Campanha da Fraternidade 2012


Com o tema “Fraternidade e Saúde Pública” e com o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra” (cf. Eclo 38,8), inicia-se hoje, quarta-feira de cinzas, a Campanha da Fraternidade 2012. A saúde sempre foi uma das primeiras preocupações da humanidade. Quando pensamos na saúde do Brasil, nos vêm à mente cenas como falta de vagas em hospitais, leitos nos corredores, filas intermináveis, espera de meses por atendimentos especializados; bem como a luta dos profissionais contra a falta de equipamentos, medicamentos, ou contra a própria estrutura precária dos estabelecimentos de saúde.

A Constituição de 1988 garante a universalidade e gratuidade da saúde. Com a criação do SUS tentou-se alcançar esse ideal, mas a complexidade e custos crescentes têm tornado essa luta muito difícil. Algumas batalhas foram vencidas: a criação do Programa de Saúde da Família - PSF -, com ênfase na prevenção; o combate contra a AIDS, elogiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas surgiram outros desafios com a vida moderna, doenças como o stress, a depressão, o sobrepeso. O aumento da expectativa de vida e a diminuição do índice de fecundidade (que chegou a 1,8 nascimentos por mulher em 2008, menos do que o necessário para repor a população) e o consequente aumento da população idosa fazem com que doenças crônico-degenerativas e o câncer sejam cada vez mais prevalentes. Vivemos com a tragédia do crack que está por toda a parte.

Esta é a realidade da saúde no Brasil. Mas a saúde é mais que a ausência de doenças, como definiu OMS em 1946: “é um estado de completo bem-estar físico, mental e social”. A OMS em 2003 incluiu também o estado de bem-estar espiritual como fator indispensável para a saúde integral. Olhando novamente para a situação do Brasil, vemos como a realidade está mais longe ainda do ideal. A condição social de muitos brasileiros é absolutamente precária. Apesar de sermos hoje a sexta economia do mundo, milhões vivem em favelas, em meio à violência, falta de infra-estrutura básica, vitimados pela miséria ou ainda flagelados pela seca.

A espiritualidade também vive momentos difíceis. Foi demonstrado em várias pesquisas que pacientes que têm fé e rezam têm uma recuperação mais rápida, e menos consequências negativas de suas doenças. A religiosidade sempre fez parte da vida humana desde tempos imemoriais. Jamais houve qualquer povo que não a tivesse.

Mas vemos hoje, principalmente entre a juventude, um afastamento e desilusão para com a religião. A frequência à missa dominical é bem menor. O hedonismo e o individualismo acabam falando mais alto, e muitos não têm mais tempo de pensar na saúde de sua alma frente à correria do mundo moderno e suas várias distrações: a televisão, a praia, a diversão ... Quanto melhor a condição social, maiores as distrações.

Em países mais ricos o ateísmo ou a indiferença religiosa alcançaram níveis alarmantes, e tudo indica que o Brasil vai indo pelo mesmo caminho. Os mais pobres, por outro lado, acabam muitas vezes vitimados pela teologia da prosperidade e a inversão dos valores evangélicos.

O descuido com a saúde da alma pode ter consequências profundas, perda do sentido da vida, busca de refúgio nas drogas lícitas e ilícitas, depressão até entre jovens e crianças. Para onde estamos caminhando? Podemos lembrar a resposta de Deus ao homem rico da parábola: "Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será tirada. E para quem ficará o que acumulaste?" (Lc 12,20)

Como fazer para que o povo brasileiro possa ter saúde abundante em todos seus aspectos: saúde corporal, psicológica, social e espiritual? Que nesta Quaresma, tempo de oração e jejum, sintamo-nos impulsionados a meditar e buscar soluções para tamanho desafio, e que um dia realmente possamos afirmar: “Que a saúde se difunde sobre a terra” (cf. Eclo 38,8).

Dom Mauro Montagnoli
Bispo Diocesano de Ilhéus

Extraído de: http://www.capelasaojose.net

Formação Bíblica - 2° Encontro - Tema: Pecados capitais da Leitura Bíblica e Dez vícios comuns na Leitura da Palavra

Salve Maria, turma!
Este é o material do nosso segundo encontro de Formação Bíblica, realizado no dia 18/02. Bons estudos!

1. Leitura fundamentalista 
O que é: Interpretar o texto sagrado ao pé da letra, sem levar em conta o que o texto diz por trás das palavras.
Sintomas:
· Fanatismo: Defesa violenta das próprias idéias sobre a Bíblia; colocá-la acima dos principais valores humanos;
· Intolerância com pessoas e grupos que interpretam de forma diferente os mesmos textos.
Como evitar: 
· Não impor aos outros suas próprias idéias;
· Deixar-se questionar pelas idéias dos outros;
· Levar em conta o contexto em que os livros surgiram;
· Descobrir nos textos o que há de simbólico, poético, etc. 


2- Leitura apologética
O que é: Usar textos para defender idéias ou doutrinas que não estão presentes neles. (Apologia quer dizer defesa).
Sintomas:
· Tradicionalismo: Colocar a religião, a doutrina e os ritos acima da busca da Verdade e da defesa da Vida;
· Medo de descobrir nos textos dados novos e diferentes que questionam parte da tradição recebida.
Como evitar:
· Abrir-se ao novo trazido pela realidade e pela Palavra;
· Ler não apenas o trecho selecionado; descobrir livros e textos relacionados para ampliar a visão;
· Não ser submisso à interpretação já pronta dos livros; ter espírito de busca e pesquisa;
· Ser fiel ao conteúdo dos trechos estudados. 


3- Leitura intimista
O que é: Interpretar os textos exclusivamente em benefício pessoal; achar-se o único destinatário da Palavra.
Sintomas:
· Emocionalismo: Ler só com o coração, sem usar a cabeça, como se a Bíblia fosse um livro de auto-ajuda;
· Absolutizar textos agradáveis e negar textos mais duros.
Como evitar:
· Abrir-se à dimensão social e comunitária da Bíblia;
· Não ler sozinho, mas buscar as opiniões dos outros;
· Procurar conhecer amplamente a Bíblia, ler também os textos que parecem, à primeira vista, distantes de sua realidade pessoal;
· Respeitar a autonomia do texto, ou seja, reconhecer que ele foi escrito para outras pessoas numa situação histórica diferente da sua. 


4- Leitura esotérica
O que é: Usar a Bíblia como se fosse um livro de formulas mágicas, de ciências ocultas. (Esotérico quer dizer oculto).
Sintomas:
· Misticismo: Crer que existe na Bíblia conhecimentos acessíveis somente a poucos privilegiados;
· Citar frases isoladas como se fossem palavras mágicas;
· Usar a Bíblia para fazer previsão do futuro.
Como evitar:
· Não ler a Bíblia para adivinhar o futuro, ou como se os textos do Antigo Testamento fossem apenas anúncios do que aconteceria na época de Jesus;
· Ser fiel ao conteúdo dos trechos estudados;
· Não usar frase bíblicas isoladas, desvinculadas de seu contexto, como “abracadabra” em situações difíceis;
· Ter humildade e reconhecer que toda interpretação da Palavra deve estar de acordo com o projeto de Jesus. 


5- Leitura reducionista
O que é: Reduzir os textos sagrados à dimensão religiosa; desprezar seus aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais.
Sintomas:
· Devocionismo: Achar tudo bonito, correto e piedoso, sem levar em conta as fraquezas do povo de Deus;
· Conservadorismo religioso, falta de consciência social;
· Falta de confiança no ser humano.
Como evitar:
· Lembrar-se que Deus é Deus em todas as dimensões da Vida, não só na religião;
· Valorizar as diversas dimensões da vida (política, economia, cultura, afetividade, etc.) como queridas por Deus e importantes para a felicidade humana.
· Interpretar os textos tendo em mente as várias dimensões da vida. 


6- Leitura materialista
O que é: Interpretar a Palavra de uma forma puramente científica; negar a inspiração divina dos textos.
Sintomas:
· Intelectualismo: Ler só com a cabeça, sem usar o coração, como se a Bíblia fosse um baú de fósseis;
· Usar a Bíblia só para estudar as civilizações antigas, sem interesse nas civilizações humanas de hoje.
Como evitar:
· Cultivar a leitura orante da Bíblia, em intimidade com Deus, invocando sempre (na oração ou no mero estudo) o Espírito Santo;
· Buscar o bem comum e a defesa da vida em primeiro lugar, em obediência ao Deus da Vida;
· Reconhecer com humildade a presença do Deus vivo na história e colocar-se a serviço Dele na luta pela justiça.


7- Leitura espiritualista
O que é: Ler a Bíblia e a vida com os olhos voltados para a salvação pessoal, sem preocupação com a vida do irmão.
Sintomas:
· Moralismo: Dar mais importância ao bom comportamento que o bem do ser humano; colocar a lei acima da vida;
· Desprezo pelo corpo humano e pela afetividade.
Como evitar:
· Ler com os pés no chão, lembrando que não há alma sem corpo nem corpo sem alma;
· Ler com a preocupação de melhorar o aqui-e-agora de toda a humanidade, por menos “santa” que ele seja. 

Dez vícios comuns no Estudo da Palavra

1- Selecionar para leitura somente trechos conhecidos ignorando passagens difíceis.

2- Ignorar as condições históricas em que o texto foi escrito. Julgar o passado com mentalidade do presente.

3- Concordar automaticamente com tudo que o padre, a coordenação ou qualquer autoridade diz sobra a Bíblia.

4- Impor uma única interpretação; impedir a troca de idéias para evitar interpretações diferentes da “oficial”.

5- Ler a Bíblia como horóscopo, como se ela nos dissesse magicamente o que fazer a cada momento da vida.

6- Interpretar somente a partir das próprias experiências pessoais; não ouvir o que dizem a Igreja universal e a comunidade local.

7- Ler a Bíblia sempre sozinho; ter vergonha ou preguiça de convidar os outros.

8- Ignorar o sentido profundo dos textos; apontar muito rapidamente soluções para os problemas indicados.

9- Dividir a realidade entre o bem (nós) e o mal (eles); não levar em conta a ambigüidade das relações humanas, presentes também na Escritura (Mt 13,24-30)!

10- Achar bom tudo que está na Bíblia e condenar tudo que se faz como mau e imperfeito.

Fotos do nosso segundo encontro:









Formação Bíblica - 1° Encontro - Tema: Conhecendo um pouco da Bíblia


Salve Maria, pessoal!
Resolvemos postar no nosso blog o material dos nossos encontros de formação bíblica realizados todo terceiro sábado do mês, às 19h. Pra quem perdeu será uma excelente oportunidade de ampliar o seu conhecimento sobre a Bíblia. Aproveitem e bom estudo!

1. O que significa a palavra Bíblia?
Bíblia é uma palavra de origem grega e indica o conjunto de muitos livros. De fato, a Bíblia é uma biblioteca com vários livros de diferentes épocas, autores e estilos literários.

2. Quantos são os livros da Bíblia?
A Bíblia tem um total de 73 livros.
O Antigo Testamento (ou Primeiro Testamento) contém 46 livros.
O Novo Testamento contém 27 livros.

3. Existe diferença entre a Bíblia protestante e a Bíblia da edição católica?
Sim, a Bíblia Católica tem mais livros que a protestante.
O Novo Testamento é igual para todos, mas no Antigo Testamento, a edição católica tem sete livros a mais. Estes livros são: Tobias, Judite, 1º e 2º Livro dos Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, que são da tradução grega.

4. A Bíblia já foi escrita com capítulos numerados, como temos hoje?
Não. Nenhum livro da Bíblia foi escrito com capítulos numerados. Quem teve a idéia de dividir a Bíblia em capítulos foi Estevão Langton, arcebispo de Cantuária, professor na Universidade de Paris, em 1214 d.C.

5. Quem fez a divisão em versículos?
Em 1551 Robert Etiene, redator e editor em Paris, fez a experiência dividindo o NT de língua grega em versículos.
Teodoro de Beza gostou da idéia e em 1565 dividiu toda a Bíblia em versículos.
Estas divisões em capítulos e versículos foram feitas para facilitar as citações bíblicas e encontrar mais rápido os textos citados.

6. Como se encontram as citações bíblicas?
Na citação, capítulo é o número que vem antes da vírgula, e versículo é o número que vem depois da vírgula indicando onde começa e onde termina o texto escolhido.
Exemplo: Gn 11,1-9, isto significa que você deve procurar o livro do Gênesis capítulo 11, versículos de 1 a 9.
Na Bíblia os capítulos são os números grandes e os versículos são os números pequenos.
Repare também, a abreviatura indica o nome do livro, por exemplo, Gn = Gênesis. Toda Bíblia traz no início uma relação dos livros com suas abreviaturas.

7. Quem traduziu pela primeira vez toda a Bíblia e quando ela foi impressa assim como temos hoje?
A primeira tradução, e a mais famosa, da Bíblia para o latim é a de São Jerônimo, conhecida como Vulgata (do latim = a divulgada). Isto aconteceu por volta do ano 400 d.C., a pedido do Papa Damaso. Na verdade, a primeira tradução da Bíblia foi a tradução da Bíblia hebraica (dos judeus) para o grego, conhecida como tradução dos LXX (70), muito usada na época de Jesus e das comunidades.

8. E antes de surgir a imprensa, como a Bíblia se apresentava?
De diversas formas: em pedados de papel vegetal, em rolos de pergaminhos (couro de animal), em papiro (espécie de papel vegetal) e em “folhas”.

9. Qual o significado das palavras exegese e hermenêutica?
A palavra “exegese” é um termo grego para explicar o trabalho que fazem os estudiosos na análise de um texto bíblico. Significa “tirar de dentro” tudo o que o texto diz.
A palavra “hermenêutica” também é uma palavra de origem grega e significa o trabalho de encontrar a mensagem que está escondida por trás das palavras e aplicá-la ao hoje.

10. Como a Bíblia chegou até nós?
A Bíblia antes de ser escrita foi vivida.
A Bíblia começou a ser escrita durante o reinado de Salomão, por volta de 950 a.C. O Antigo (ou Primeiro) Testamento ficou pronto por volta de 50 a.C., e o Novo Testamento no final do primeiro século.

Fotos do primeiro encontro de formação realizado dia 29/01:






domingo, 19 de fevereiro de 2012

Pra turma do Twitter: Vamos seguir Jesus!




Os jovens e a Missa


Dias atrás eu estava lendo uma reportagem interessante de um jornal de Belo Horizonte que trazia como título o seguinte questionamento: "Por que os jovens não gostam de ir à missa?". A reportagem abordava a preocupação das mães que não sabem o que fazer para levar os filhos à missa aos domingos. Diante de tal realidade, a repórter colocava alguns pontos relevantes que poderiam nos ajudar a solucionar este problema.

O primeiro questionamento a se fazer seria o fato de entender como foi a catequese desses jovens. Foi um catequese atraente? Bem estruturada? Criativa? Ou desanimadora, onde o adolescente foi obrigado a participar? Como também foi a participação dos pais no processo? Os pais deram exemplo? Participaram? ou simplesmente colocaram seus filhos na catequese e lavaram as mãos?

Acredito que os nossos questionamentos procedem, mas o grande questionamento que devemos fazer está no fato de enquanto Igreja nos perguntamos: "O que estamos fazendo para chegar até nossos jovens nas celebrações eucarísticas?". O mundo oferece tantos prazeres para se curtir um bom final de semana, aí os jovens se aproximam da igreja e se deparam com algumas celebrações eucarísticas que são um verdadeiro "terror", onde nem os adultos conseguem celebrar com alegria. A linguagem litúrgica está longe de todos, som pro vezes é péssimo, leitores e comentaristas falam para si mesmos e esquecem da assembleia, cantos desanimados...

É lógico que temos consciência que a nossa celebração eucarística tem uma série de prescrições quanto à maneira de celebrar a liturgia, com o objetivo de assegurar a mística do grande ato de fé, mas também temos que ter consciência de que Deus quer falar ao seu povo. E isso inclui os jovens que devem ter o coração e a prática da fé aquecidos. É triste muitas vezes presenciarmos jovens que participam com alegria dos encontros promovidos pela juventude e não constatarmos a mesma alegria durante as celebrações.

O que fazer para mudar esta realidade? Eis a questão! Quem sabe você jovem pode nos ajudar enviando críticas construtivas e sugestões. Comentem!

Extraído do Jornal Veritas Edição Maio/Junho de 2005.



Mensagem do Santo Padre para a Quaresma


“Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (Heb 10, 24)


Irmãos e irmãs!
A Quaresma oferece-nos a oportunidade de refletir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor. Com efeito este é um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.

Desejo, este ano, propor alguns pensamentos inspirados num breve texto bíblico tirado da Carta aos Hebreus: «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (10, 24). Esta frase aparece inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter confiança em Jesus Cristo como Sumo Sacerdote, que nos obteve o perdão e o acesso a Deus. O fruto do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes teologais: trata-se de nos aproximarmos do Senhor «com um coração sincero, com a plena segurança da fé» (v. 22), de conservarmos firmemente «a profissão da nossa esperança» (v. 23), numa solicitude constante por praticar, juntamente com os irmãos, «o amor e as boas obras» (v. 24). Na passagem em questão afirma-se também que é importante, para apoiar esta conduta evangélica, participar nos encontros litúrgicos e na oração da comunidade, com os olhos fixos na meta escatológica: a plena comunhão em Deus (v. 25). Detenho-me no versículo 24, que, em poucas palavras, oferece um ensinamento precioso e sempre atual sobre três aspectos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a santidade pessoal.

1. «Prestemos atenção»: a responsabilidade pelo irmão.

O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento, olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a «observar» as aves do céu, que não se preocupam com o alimento e todavia são objecto de solícita e cuidadosa Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a «dar-se conta» da trave que têm na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf. Lc 6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos Hebreus, quando convida a «considerar Jesus» (3, 1) como o Apóstolo e o Sumo Sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito pela «esfera privada». Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o «guarda» dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem. O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o facto de sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre sobretudo de falta de fraternidade: «O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo» (Carta enc. Populorum progressio, 66).


A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem sob todos os seus aspectos: físico, moral e espiritual. Parece que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus é «bom e faz o bem» (Sal 119/118, 68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor e compaixão. O que é que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre. Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança «dos que choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança.


O facto de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspecto da vida cristã que me parece esquecido: a correção fraterna, tendo em vista a salvação eterna. De forma geral, hoje é-se muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros tempos não era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma tendo em vista o seu destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura: «Repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber» (Prov 9, 8-9). O próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18, 15). O verbo usado para exprimir a correcção fraterna – elenchein – é o mesmo que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma geração que se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11). A tradição da Igreja enumera entre as obras espirituais de misericórdia a de «corrigir os que erram». É importante recuperar esta dimensão do amor cristão. Não devemos ficar calados diante do mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que preferem, por respeito humano ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem. Entretanto a advertência cristã nunca há-de ser animada por espírito de condenação ou censura; é sempre movida pelo amor e a misericórdia e brota duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão. Diz o apóstolo Paulo: «Se porventura um homem for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão, e tu olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado» (Gl 6, 1). Neste nosso mundo impregnado de individualismo, é necessário redescobrir a importância da correção fraterna, para caminharmos juntos para a santidade. É que «sete vezes cai o justo» (Prov 24, 16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e imperfeitos (cf. 1 Jo 1, 8). Por isso, é um grande serviço ajudar, e deixar-se ajudar, a ler com verdade dentro de si mesmo, para melhorar a própria vida e seguir mais retamente o caminho do Senhor. Há sempre necessidade de um olhar que ama e corrige, que conhece e reconhece, que discerne e perdoa (cf. Lc 22, 61), como fez, e faz, Deus com cada um de nós.

2. «Uns aos outros»: o dom da reciprocidade.

O facto de sermos o «guarda» dos outros contrasta com uma mentalidade que, reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de a considerar na sua perspectiva escatológica e aceita qualquer opção moral em nome da liberdade individual. Uma sociedade como a actual pode tornar-se surda quer aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o que «leva à paz e à edificação mútua» (Rm 14, 19), favorecendo o «próximo no bem, em ordem à construção da comunidade» (Rm 15, 2), sem buscar «o próprio interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos» (1 Cor 10, 33). Esta recíproca correcção e exortação, em espírito de humildade e de amor, deve fazer parte da vida da comunidade cristã.

Os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da comunhão: a nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no mal; tanto o pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social. Na Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a comunidade não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos seus filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos de virtude e de amor que nela se manifestam. Que «os membros tenham a mesma solicitude uns para com os outros» (1 Cor 12, 25) – afirma São Paulo –, porque somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a esmola – típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum – radica-se nesta pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais pobres, pode cada cristão expressar a sua participação no único corpo que é a Igreja. E é também atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem que o Senhor faz neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus, bom e omnipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão vislumbra no outro a acção do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e dar glória ao Pai celeste (cf. Mt 5, 16).

3. «Para nos estimularmos ao amor e às boas obras»: caminhar juntos na santidade.

Esta afirmação da Carta aos Hebreus (10, 24) impele-nos a considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto e fecundo (cf. 1 Cor 12, 31 – 13, 13). A atenção recíproca tem como finalidade estimular-se, mutuamente, a um amor efetivo sempre maior, «como a luz da aurora, que cresce até ao romper do dia» (Prov 4, 18), à espera de viver o dia sem ocaso em Deus. O tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e realizar as boas obras, no amor de Deus. Assim a própria Igreja cresce e se desenvolve para chegar à plena maturidade de Cristo (cf. Ef 4, 13). É nesta perspectiva dinâmica de crescimento que se situa a nossa exortação a estimular-nos reciprocamente para chegar à plenitude do amor e das boas obras.


Infelizmente, está sempre presente a tentação da tibieza, de sufocar o Espírito, da recusa de «pôr a render os talentos» que nos foram dados para bem nosso e dos outros (cf. Mt 25, 24-28). Todos recebemos riquezas espirituais ou materiais úteis para a realização do plano divino, para o bem da Igreja e para a nossa salvação pessoal (cf. Lc 12, 21; 1 Tm 6, 18). Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua. Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o convite, sempre atual, para tendermos à «medida alta da vida cristã» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 31). A Igreja, na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: «Adiantai-vos uns aos outros na mútua estima» (Rm 12, 10).


Que todos, à vista de um mundo que exige dos cristãos um renovado testemunho de amor e fidelidade ao Senhor, sintam a urgência de esforçar-se por adiantar no amor, no serviço e nas obras boas (cf. Heb 6, 10). Este apelo ressoa particularmente forte neste tempo santo de preparação para a Páscoa. Com votos de uma Quaresma santa e fecunda, confio-vos à intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria e, de coração, concedo a todos a Bênção Apostólica.
Vaticano, 3 de Novembro de 2011
Da Agência Zenit
Extraído do site: http://www.catecismojovem.com.br

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012